Por André e Ian
O segundo encontro do semestre tratou dos dois primeiros capítulos (Ciência e Direito; Do Kósmos à Máquina) do livro “A Revolução Ecojurídica: o Direito Sistêmico em Sintonia com a Natureza e a Comunidade”, dos autores Fritjof e Capra. Ocorreu sob a coordenação dos integrantes Gean Santos e Antonio Jr., com o momento lúdico proporcionado pela Laélia, e aqui relatado por André Câmara e Ian Porto.
O coordenador Gean iniciou a interlocução pontuando algumas ideias gerais sobre os dois capítulos, com especial nota para a intenção dos autores de pensar o encontro entre ciência e direito tanto pelo âmbito histórico quanto pelo conceitual.
Tendo em vista o aumento de complexidade dos fatos jurídicos, Gean inicia com uma pergunta: quão eficientes são as normas criadas cartesianamente para solucionar os problemas da atualidade? Como contexto para a pergunta, deu a hipótese de homicídio, que não pode ser explicado apenas pela relação direta entre o fato e texto da norma, mas que exige inúmeras outras investigações sobre, por exemplo, o que levou o agente ao crime, quais eram as suas condições socio-econômicas, se há qualificadoras ou não, entre tantas outras.
Na sequência, Gean adicionou a questão da diferença de certeza que há entre as leis naturais e as leis humanas, em que as naturais, segundo ele, seriam mais objetivas e abstratas enquanto as humanas seriam mais cruas, objetivas e de difícil comunicação. Nesse ponto, a professora Germana lembrou que muitas são as perspectivas sobre objetividade e subjetividade nas ciências, a exemplo das ciências sociais, nas quais a pretensão de objetividade logo se converte em subjetividade na medida em que os objetos são vistos como relações sociais, indagando, portanto, se há mesmo um predomínio entre subjetivação e objetivação e se as ciências passam por um processo de objetificação.
Como exemplo de complexidade e relações sociais, Alan colocou o problema das novas tecnologias, que agregam e propagam dados pessoais para além do que o atual modo positivação, na sua precariedade, tem conseguido acompanhar. Gean, aproveitando o tema, coloca que essas tecnologias surgem da ciência e, no entanto, logo criam vida própria, impondo-se na vida da pessoas a custo do distanciamento do convívio social e ao ponto da invasão de privacidade. No seu ponto de vista, e apoiado na ideia do livro de aproximação entre cientistas e juristas, o jurista requerido pelos nossos tempos é aquele que pensa justamente nessas complexidades, aquele que estuda e faz comunicarem-se as diversas áreas e os seus respectivos especialistas. Reitera-se, então, a questão: como normatizar questões complexas assim?
Prosseguindo com as ideias do segundo capítulo do livro, “Do Kósmos à Máquina”, em que os autores fazem um resgate histórico das ideias do homem sobre a natureza, a qual, compreendida como “Kósmos”, era tida como uma mãe provedora e, mais adiante, compreendida já como máquina, é invertida e se torna alvo de apropriação. O grupo aproveitou essa ideia para repensar a centralização do homem como autor e proprietário do mundo, pensando-o sobretudo como apenas um dos elementos de um ecossistema que, no todo e nas partes, é tão importante quanto ele.
Além disso, a professora Germana aproveitou a força da interrogação histórica de Fritjof e Capra para tecer algumas ideias sobre como trabalhar com uma pesquisa histórica não-linear, que possa ser, assim como a obra estudada no encontro, mais significativa para os nossos problemas de pesquisa. Alan, utilizando-se de exemplos de artigos e monografias, contribuiu com alguns critérios e modos de se fazer uma análise histórica do tema. André notou, porém, que é o próprio mecanicismo que desincentiva a pesquisa histórica porque, ao contrário da técnica grega, que não experimentava e deixava as coisas acontecerem para compreendê-las, a técnica mecanicista está preocupada com o “aqui e agora” do sujeito, que quer imediatamente algo de seu objeto.
Aprofundando a ideia da relação entre técnica e direito, Iasna salientou que, na história, a técnica foi principalmente uma relação de poder na qual o direito figurava como instrumento de preservação do capital, desvinculado, portanto, das necessidades sociais. Esta compreensão teria reduzido o conceito de direito a uma mera tecnologia, definição esta, inclusive, que foi amplamente absorvida pelos manuais e livros de introdução ao direito, o que decerto contribuiu para a mentalidade cartesiana no direito. Alan chamou atenção para os modos como o produto técnico das ciências vai se tornando mais importante do que elas, sendo esta inversão de valores bastante comum a partir da modernidade. Laélia, reforçando essa ideia de inversão, lançou novamente a questão: o que nos fez mudar de “técnica”, da cósmica para a cartesiana? Respondendo à pergunta, o grupo apontou o surgimento histórico de necessidades alimentares, ocasionadas pela superpopulação, assim como a potência do homem, com a revolução científica, cresceu ao nível da sua ambição.
Gean perguntou ao grupo sobre o quão forte se pode sentir a presença da técnica atualmente e se esta presença não seria uma decorrência normal das condições climáticas e sociais. André, respondendo à pergunta, afirmou que é justamente o caráter extremamente técnico que define a modernidade e que esta persiste a todo vapor nestes nossos tempos. Como exemplo dessas relações técnicas, Alan compartilhou uma experiência de pesquisa em dupla bem característica. Nela, lembra ele ter sido constante e prematuramente demandado a entregar os seus resultados, sem que realmente houvesse tempo para investigações mais aprofundadas. Importava, sobretudo, o “estar pronto”.
Iasna lamenta o despertar tardio para as questões ambientais, que já se mostram urgentes há tempos. Alan, revivendo a ideia de como se pode encontrar regularidades e repetições a partir do resgate histórico, repensa a questão da ambição como um de exagero de ação: o homem age em demasia e só depois freia a sua ação, ciclo que se repete e que só é revisado muito tardiamente. Como exemplo, citou a empresa Target, a qual, acumulando dados pessoais na rede, conseguia detectar padrões de gravidez e direcionar produtos para mulheres nesta situação, ultrapassando os limites das privacidade. Outro exemplo de exagero e posterior arrependimento foi dado por Iasna: a bomba de nitrogênio. A professora Germana aproveitou trazer à discussão um exemplo atualíssimo: as desastrosas barragens de Mariana e Brumadinho.
Isto tudo remeteu o grupo a pensar sobre as barreiras institucionais que se impõem sobre as questões ambientais. Políticas, decerto, porque somos muito hipossuficientes diante de um legislativo como o nosso, que é contrário, ou no mínimo displicente, a esses problemas. Mas também são barreiras sociais, econômicas – veja-se a super-alocação do capital em farmácias –, emocionais – como bem se vê na relação entre superinteratividade e ansiedade – e, principalmente, educacionais – onde se incutem os primeiros de preconceitos, a criação individualista e exclusiva para o trabalho, tudo isto raiz dos equívocos ecológicos.
A professora Germana concluiu a discussão com algumas considerações sobre como começar as transformações que queremos ver. Mencionou a necessidade de nos responsabilizarmos pelos nossos atos e pelas nossas vontades, de não esperarmos pelos outros para agir. É preciso começar por si: a transformação, como a metamorfose da vida, vem de dentro.
Ao final, o momento lúdico foi proporcionado pela Laélia, que trouxe um vídeo no qual dois filmes são justapostos e comentados a cada principal cena para acentuar algumas reflexões sobre o racionalismo. O primeiro filme, “A vida de David Gale”, a partir do contexto de pena de morte do Texas (EUA), questionou o sistema penal e a relação adotada por ele entre a certeza das evidências e a culpabilidade. O segundo, “O poder além da vida”, sobre um garoto que vivia sob um sistema moral cujos interesses eram se dar bem numericamente com as garotas, se divertir imprudentemente e ganhar campeonatos, tratou da relação entre sabedoria e certeza, da necessidade de questionar o que está posto e de se deixar aberto à intuição e aos sentimentos. No todo, o vídeo evidenciou a grande incerteza que há nas instituições sociais e jurídicas, que nos passam modos de ser prontos e os cristalizam para além da nossa dúvida, e que merecem, portanto, uma postura de dúvida e um espaço para o que se tem cartesianamente como “irracional”, mas que muitas vezes é apenas sensibilidade.